quinta-feira, 28 de abril de 2011

Deu pane

Um dos fatos mais constrangedores recentes, que deve se inscrever nos anais das grandes burradas de nossa política, foi o artigo de certo ex-presidente ex-sociólogo em que recomenda seu partido esquecer o povo e focar na nova classe média. A frase, em si, não causa surpresa, é apenas uma revelação daquele Weltanschauung peculiar que lhe permitiu ferrar o povo durante oito anos em nomes dos ricos, pelos ricos e para os ricos. O que é peculiar, entretanto, é a sinceridade com que pela primeira vez se abandona a máscara, somada ao grande equívoco em sua visão de mundo.
Oras, vejamos, o grande fenômeno chamado de ascensão da nova classe média é que justamente a classe A e B, que somadas detinham a maior parte da renda nacional, foram desbancadas e ultrapassadas pela classe C, que passou a ser a campeã nacional, e, posteriormente, ultrapassada também pela classe D, que com o inchaço dos 30 milhões que saíram da miséria, também ganhou corpo. Essas duas classe, juntas, formam o povo, a identidade da maioria dos nosso cidadãos, de forma que não faz absolutamente sentido nenhum dizer que deve-se esquecer do povo para focar nessa classe média, porque são essencialmente as mesmas pessoas.
A falha seria menor e poderia se ignorar, se não viesse de alguém com formação acadêmica que se propõe a ser nosso grande intelectual de oposição, o que explica porque o governo bate recordes de popularidade e governa hoje, na prática, sem oposição. E não é coincidência que tal falta de idéias novas e falha de perspectiva e estratégia venha à luz justo no momento em que a oposição vai se rachando em todo o país, ninguém quer ficar num barco em que o timoneiro está louco.
O fenômeno não é novo, embora usualmente tomasse lugar em diminutos grupos de esquerda. Isso me lembra as velhas piadas de trotskistas: quantos trotskistas cabem num fusquinha? Um só, porque se tiver dois o fusca racha. Ou ainda a do trotskista e do tijolo, que tinha tanta popularidade no nicho quanto um busto de Napoleão em Portugal, muito utilizado naquelas terras como artefato afrodisíaco, como se sabe.
Mas, como diria Hamlet, é loucura, sim, mas há uma lógica nela. A lógica, ou tentativa, que impele o discurso, nesse caso, é o hábito de gerir a política como se fosse uma empresa. Se a moda empresarial é a nova classe média, lá vai o sujeito fazer um artigo sobre isso. Nome de político passa a ser tratado como grife, o partido é marca. Já vi tentarem isso até em grêmio estudantil. E nem neles nunca deu certo.

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