quinta-feira, 7 de abril de 2011

Personas

A literatura tem algumas personagens tipificadas que se repetem com frequência, como por exemplo a criança, que por sua inocência pode dizer aquilo que aos outros não é possível ou permitido, como na história de Hans Christian Andersen sobre a roupa nova do imperador, que é desmascarada pelo grito de uma criança que avisa que o rei está nu. Já o cego, desde as histórias gregas sobre Tirésias, é aquele que por não poder enxergar o presente pode ver o futuro, como no caso do profeta grego, ou ainda descobrir o que está oculto, como identificar o assassino que todos procuram sem sucesso em “M – o vampiro de Dusseldorf”, o filme de 1931 dirigido pelo grande Fritz Lang.
São notáveis certas personagens que se repetem ao longo dos séculos, ainda hoje reatualizadas, como a figura do anão bobo da corte, que pode dizer ao rei em tom de brincadeira aquilo que nenhum outro poderia dizer, ou o sonâmbulo, que em seu estado de sono é permitido ser outro e dizer e fazer coisas que normalmente não poderia. Essa galeria se completa com o bêbado e o louco, que também são figuras que normalmente aparecem na trama para serem aqueles que expelem de si a verdade inconveniente que nenhuma outra personagem pode falar ou admitir, o bêbado por causa do torpor etílico e o louco porque... ora, porque é louco mesmo, afinal.
Vejam vocês, por exemplo, a situação. Você entra no banco, vai até a mesa do gerente, baixa as calças e fica quinze minutos falando todos os impropérios que lhe vem à cabeça. Ora, o resultado seria logo você ser preso pelos seguranças, depois espancado pela polícia, currado numa cela qualquer e ainda processado pelo gerente do banco por danos morais. Agora se você levar seu vovozinho centenário junto e pedir para ele fazer a mesma coisa, ele ficará lá os quinze eternos minutos sem calça falando palavrões que não se ouvia desde o tempo de Napoleão, depois botará a calça tranquilamente e você vai dizer para o gerente: Peço desculpas, vovô tá meio cacuca, sabe como é, não? Aí o gerente irá assentir com a cabeça, ainda assustado, dar um sorriso amarelo e sentar-se novamente na mesa perguntado o que pode fazer por você.
É por isso que depois de tanta reviravolta na política em que se gasta muito esforço para tentar mudar o sistema eleitoral com coisas supérfluas como listas partidárias e voto distrital é que eu, meio criança meio idoso, do alto de minha loucura, cego de dor, com meio litro de vodka na cabeça, anão, digo dormindo: vão fazer algo útil, por favor!

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