quinta-feira, 30 de maio de 2013

O zumbizão voador

Foi numa dessas quebradas da vida que encontrei dois participantes entusiastas de um congresso que terá na cidade, dedicado exclusivamente a pessoas que já passearam de disco voador. O mais interessante é que tinham uma versão muito peculiar de prova para a existência de ET’s nos visitando, que era a existência de zumbis. Segundo os caras, a epidemia zumbi vem ocorrendo pelo menos há uns dois mil anos e os alienígenas vêm, nesse tempo, se dedicando a intervir geneticamente em nossa população tentando erradicar a doença, encontrar uma cura para o mal. Entre as provas que deram estava o caso da droga canibal americana, que faz as pessoas ficarem ultrafortes e comerem outras pessoas, completamente enlouquecidas. Antes disso, citaram a peste negra, na idade média, que foi o maior surto zumbi da história da humanidade, quando se alastraram pelas cidades medievais devorando a tudo e todos. A culpa da peste, segundo eles, foi das Cruzadas. Durantes séculos os árabes e povos da Europa oriental haviam lutado para conter os zumbis. Não era senão outro o motivo do hábito comum dos povos dos Cárpatos cortarem a cabeça dos mortos antes de enterrarem ou trespassarem seu corpo com uma estaca, o que depois originou as lendas de vampirismo, que não é nada mais senão uma espécie de zumbi de luxo. Mas com as Cruzadas as velhas estruturas de poder e ordens secretas que zelavam pela contenção da ameaça foram aniquiladas ou severamente alteradas, de forma que a coisa fugiu novamente ao controle humano. Mas mais ainda, disseram eles, não fora a primeira vez que isso acontecera. Todo grande império que colapsara, tivera como causa o surto zumbi. Foi o que precipitou o fim da dinastia dos Romanov, na Rússia, quando Rasputin fora convocado para curar um membro da família real que havia sido zumbificado e acabou por devastar a vida da corte. Ou o fim do império romano, quando havia tantos zumbis que o próprio governo central caiu, iniciando a idade média. Ou ainda o grande surto de zumbis em Roma, que obrigou Nero a incendiar a cidade. E, por fim, teve “ele”, sussurraram, o primeiro zumbi, que antes de morrer instituiu aos seus apóstolos o culto de comerem sua carne e, quando ressuscitou, 3 dias depois, zumbificado e devorando seus seguidores, foi preciso os próprios aliens intervirem, sugando seu corpo aos céus, para a nave onde até hoje vive aprisionado em uma jaula para a pesquisa de zumbis.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Lá vamos nós de novo: As incansáveis sereias que não morrem jamais



As sereias do Discovery Channel e Animal Planet são como os proverbiais mortos-vivos. Não importa quantas vezes você os mate (ou, no caso, os  desminta), não adianta, eles continuam voltando para te assombrar.

Após o pseudo-documentário “Sereias” (“Mermaid: A body found”) que foi mais uma vez reprisado, em maio deste ano, foi  veiculado, em seguida, um outro programa, desta vez chamado, “Mermaids: New Evidence” que traz de volta o 'Doutor Paul Robertson' (que, na verdade, não existe, sendo apenas um ator) defendendo a existência das criaturas lendárias que, na versão do AP seriam uma espécie de hominini adaptada à vida aquática que teria sido inspirada na muito especulativa e não levada a sério pela comunidade de pesquisa, 'teoria do macaco aquático'. Neste novo programa são apresentadas 'evidências' históricas e novas filmagens inéditas destas criaturas.
Muitas pessoas, ao defenderem o programa, usaram a desculpa que os desmentidos e exposição da natureza ficcional do programa eram apenas um exercício de prepotência e arrogância, já que estaríamos negando mesmo a mera possibilidade destes seres existirem, mas esta jamais foi a questão. O problema é que muitas pessoas estão realmente acreditando que o programa do AP seja um documentário real, que os 'cientistas', citados nele, realmente existem e que teriam tido seus trabalhos, e as evidências que eles analisaram nos mesmos, suprimidas pelos governos de seus países em uma campanha de acobertamento internacional que só não conseguiu silenciar uma rede de TV à cabo e um cientista, cujos dados biográfico, profissionais e a produção acadêmica, teria sido todos apagados do mapa. 

Os artigos que eu (veja "De novo a história das sereias" e "De Dragões à Sereias") e outros escrevemos sobre o tema em nenhuma momento negam o direito das pessoas acreditarem em lendas e nem ao menos negam a simples possibilidade lógica de que tais seres existam. Eles apenas alertam que, como antes do programa do AP, não existem evidências científicas e rigorosas que endosse a existência de tais seres vivos (nem como criaturas místicas nem como espécies desconhecidas pelas ciência de primatas aquáticos), apenas as anedotas de sempre. É preciso mais que uma mera possibilidade lógica e anedotas para que a comunidade científica passe a considerar algo como real ou pelo menos provável , especialmente quando são lendas e mitos. Esta é a grande questão.

Embora os próprios responsáveis pelo Discovery Channel por meio do news.discovery, reconheça que “Sereias” não é um documentário real, mas apenas um programa feito 'ao estilo de um documentário' - devendo ser visto como ficção científica, ainda que, segundo eles, baseada em alguns fatos reais e teoria científica real* - , ainda assim, os produtores e responsáveis por ele usam de linguagem ambígua e deixam de lado os vários problemas de suas especulações e da teoria pseudocientífica que usam como base para sua proposta, bem como a total falta de evidências rigorosas para estes seres. Parece que eles deixam as coisas assim de propósito para disseminar as interpretações mais desvairadas possíveis.

O mesmo pode ser visto na entrevista dada pelo criador/produtor da série, Charlie Foley, ao Mother Nature Network [Veja também o artigo e o vídeo do huffigntonpost] em que ele explica o novo programa misturando fatos e ficção de maneira ambígua, de modo a não desfazer as confusões criadas por ele próprio e pelo AP ao exibir o programa. Não tenho como não enxergar nisso uma certa irresponsabilidade, sendo mais uma mostra de que o DC e o AP cada vez
mais se distanciam da educação e divulgação científica de boa qualidade e navegam em direção do puro entretenimento sensacionalista, como ocorreu com o History Channel. Confundir telespectadores, fomentar desinformação generalizada e disseminar a ideia de conspirações governamentais e acobertamento de fatos fantásticos não me parece um objetivo digno para um canal de TV, especialmente um de que se esperaria mais seriedade.

A repercussão do primeiro programa foi tão grande que o NOAA [National Oceanic and Atmospheric Administration], a agência ambiental de pesquisa que é citada como abrigando os principais 'cientistas' mostrados no programa, teve que fazer um desmentido em sua página, enfatizando que não foram descobertas evidências de humanoides aquáticos. O que, na realidade, só fez por reforçar as crenças de muitos leigos, inclinados à teorias conspiratórias, pois 'já que o governo negou, então, deve ter alguma coisa ali'. É claro que se o governo (na figura do NOAA que, aliás, foi solicitado por vários e-mails de cidadãos a esclarecer a questão) nada tivesse dito, o silêncio desta instituição também seria usado como evidência de que as sereias existem ou de que exista algo a mais por trás desta história. Com uma mentalidade assim não tem como vencer. 

Os produtores do programa chegaram a criar uma página, believeinmermaids.com, supostamente, do 'Doutor Robertson', na qual ele exporia as 'evidências' das sereias, mas que, convenientemente, teria sido bloqueada pelo FBI. O que foi só mais uma jogada de marketing, brilhante, por sinal, já que, além de sustentar a ideia de que o governo dos EUA (e não só ele, já que no programa original, 'pesquisadores' de várias partes do mundo analisam as 'evidências' e atestam sua 'veracidade') estar abafando o caso, ao bloquear a página, os produtores impedem que as pessoas fossem mais fundo na questão e analisem as supostas informações e evidências, fazendo perguntas ao seu dono que poderiam expor a inconsistência da história, como por exemplo, a questionar-se onde estão os artigos sobre as análises das evidências, ou por que não encontramos nenhum dos 'cientistas' citados e mostrados no programa nas páginas das universidades e institutos de pesquisa nos quais eles deveriam trabalhar, de acordo com o próprio programa, e nem nas bases de periódicos.  Aliás, com uma conspiração dessa magnitude, que apaga do mapa pessoas de diversos países e suas carreiras, deveríamos realmente esperar que o AP conseguisse burlar todo o processo de abafamento e veicular vários programas sobre o assunto?
A própria forma como eles apresentam os supostos hominines aquáticos é bizarra. Por exemplo, as criaturas mantém feições tremendamente humanas, mesmo tendo divergido de nossa linhagem, de acordo com o programa, milhões de anos atrás antes mesmo da divergência da nossa linhagem da dos ancestrais dos Chimpanzés e Bonobos, em um incrível caso de convergência evolutiva mesmo que tenha ocorrido em ambientes completamente diferentes. Este pequeno lapso faz todo sentido do ponto de vista ficcional já que foi feito, obviamente, para manter a identificação dos telespectadores com a criatura e não desviar demais da visão puramente mítica destes seres. 

O problema é que ao adotarmos  uma perspectiva comparativa mais rigorosa seria muito estranho que estes animais mantivessem, por exemplo, narinas frontais e uma cabeça tipica da postura ereta, isto é com a coluna vertebral e a posição do forame, onde ela se insere, muito semelhante a nossa e não aos outros primatas e menos ainda aos outros mamíferos aquáticos, o que não parece nem filogeneticamente
correto e nem hidrodinamicamente apropriado. Por exemplo, em outros mamíferos marinhos, que se adaptaram a vida eminentemente aquática (em contraste com animais que adotam uma vida mais anfíbia, como castores, lontras etc), como as focas e sirenídeos (como os manatins), as narinas ficam mais para o topo do rostro e em cetáceos, como baleias e golfinhos, elas se fundiram e deslocaram-se bem para cima na cabeça, atrás dos olhos, como fica claro ao observarmos os orifícios respiratórios destes animais.

Outro problema é a distribuição da gordura nestas supostas criaturas, o que é uma questão importante em mamíferos aquáticos, sobretudo para aqueles que perderam os pelos, como os cetáceos, por causa da perda de calor acentuada que ocorre na água, especialmente em águas mais frias. As sereias do AP são simplesmente muito magrinhas e pouco roliças. Além do que possuem aqueles braços compridos e finos, bem humanos, que seriam outra fonte de perda de calor enorme. Em contraste, mamíferos aquáticos como sirenídeos, pinipédios e cetáceos, todos, tiveram seus membros dianteiros evoluídos em nadadeiras, evoluindo também estratégias bem específicas, como mecanismos contracorrentes trocadores de calor, para minimizar a perda de calor por estas superfícies maiores. Embora, forçando um pouco a barra, poderiam ser arranjadas explicações adaptativas ad hoc para estas diferenças (ou os autores, simplesmente, poderiam apelar para a contingência nos processos evolutivos ou a falta de tempo do mesmo), ainda assim, estas questões mostram como foi superficial o tratamento dado pelo programa à biologia destas criaturas imaginárias, o que desmonta a impressão que muitos leigos tiveram de que era tudo muito coerente e consistente. Não era. Algo compreensível em um exercício de ficção, mas não em um documentário verídico que se propõem ser a única exposição das supostas evidências remanescentes daquilo que certamente seria a maior descoberta do século.

O pior de tudo isso é que, caso os produtores e a emissora fossem mais sérios e responsáveis, tendo apresentado o programa como claramente ficcional (a invés do silêncio e da ambiguidade nos desmentidos nos créditos, ao final do programa) e deixado claro que era apenas um 'What if?', as coisas poderiam ter sido muito mais interessantes. Por exemplo, eles poderiam ter incluído, ao final da exibição em um programa separado ou mesmo ao final do programa, cientistas reais, especialistas em mamíferos aquáticos e em sua evolução (não envolvidos com a produção do programa), bem como antropólogos e primatologistas, para comentar as limitações, problemas e, mesmo, os acertos da perspectiva adotada pelo AP de como seriam as sereias caso elas existissem mesmo como animais reais e não como seres místicos e sobrenaturais. Caso tivessem feito isso, o programa seria muito mais informativo, útil e divertido.
---------------------------------------------
*O que ainda é um certo exagero, pois os eventos reais são o 'bloop', os encalhamentos de baleias, que são suspeitos de terem sido causados por sonares da marinha e a existência e evolução de mamíferos aquáticos, e a dita teoria científica real que embasaria esta ficção é a 'hipótese do macaco aquático' que, como já disse, é uma ideia especulativa que, simplesmente, não é levada a sério por boa parte da comunidade de paleoantropólogos e biólogos evolutivos que estudam a evolução humana. Isto é, as coisas que são reais são muito diferentes da maneira como são apresentadas no programa e a 'teoria científica' que eles alegam usarem como base é uma especulação vista como pseudocientífica por boa parte da comunidade científica em áreas relevantes.
-----------------------------------------------------