quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Espetáculo

Ela costumava me ligar de manhã cedo, oito horas, já bêbada, do serviço dela. Eu estava dormindo, é claro, a secretária eletrônica atendia e ela desligava. Ligava de novo. Desligava. Insistia mais umas duas vezes e, por fim, deixava um recado, chorando, dizendo coisas loucas que eu realmente não conseguia entender, que o mundo era terrível e tal.
Uma hora depois o telefone começaria a tocar de novo, e eu me reviraria na cama, botando travesseiro na cara, tentando não deixar fugir aquele sonho com uma loura alienígena de cabeça piramidal. Desligava. Ligava de novo. Desligava. Por fim ela deixava outro recado no aparelho, dizendo que ouvira uma música incrível, ou vira uma foto linda, e que de repente o mundo ficara algo maravilhoso e ela estava feliz, feliz, e tinha que me ligar dizendo.
Eu não sei como os caras no serviço dela aturavam ou viam essa loucura toda, mas a vida seguia apesar disso, cheia de altos e baixos, uma montanha russa por dia.
Aquilo começou a me afetar aos poucos também, me deixar nervoso e ansioso e irritado, mas a gota d’água foi quando decidimos finalmente ir naquela peça de teatro com aquele ator famoso que precisávamos ver no palco antes que ele morresse de vez.
Compramos o ingresso com um mês de antecedência e ela falava disso dia e noite, dando piruetas, dançando uma música invisível, como uma criança prestes a ganhar um brinquedo incrível.
Chegamos lá e a peça começou e ela estava lúcida e formidável naquela noite e tudo indicava que por um tempo eu teria um pouco de paz dos acessos depressivos dela. A peça era realmente boa e o cara atuava realmente bem, e realmente morreu pouco tempo depois, mas lá pelo meio ela foi ficando com a expressão séria, tensa. Primeiro começou a chorar, depois calou-se. Aí começou a gemer e reclamar do ar-condicionado, do frio. Aí começou a reclamar das poltronas.
As pessoas já olhavam em volta incomodadas e eu tentava em vão contê-la, acalmá-la. Foi aí que ouviu algo no palco que arrebentou uma corda lá dentro da cabeça e ela desatou a chorar, alto, convulsivamente. Os olhos todos do teatro estavam agora voltados para nós, não para o palco, e eu senti que precisava fazer algo.
Eu a puxava para sair e ela se agarrava na poltrona, chorando ainda mais alto. Então, numa pausa de troca de cena, eu pensei, é agora: agarrei-a com força e a arrastei aos berros para fora do local. Não estava no preço do ingresso, mas tenho certeza que foi um espetáculo e tanto a mais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário