quinta-feira, 19 de maio de 2011

Promessa não cumprida

É uma grande farsa essa coisa de escrever, uma tramóia de assassinato, como nos contos de Poe. Não basta cometer o crime perfeito, é preciso expor a olhos vistos a carta roubada, bater nas paredes até o gato miar ou até que as batidas do coração o enlouqueçam de vez. Poe foi o grande mestre, entendeu todas as sutilezas da arte, por isso mesmo até hoje incompreendido por seus compatriotas.
É quase impossível uma história original se pensarmos nos milhares de anos de narrativa que temos acumulados, embora, ainda assim, muitos não pensem duas vezes antes de reescrever uma coisa banal como um fim de tarde ou um lenço caído, porque a experiência, essa sedutora, é sempre única, é sempre algo pessoal e intransferível daquele que narra, e ele pode passar o resto da vida narrando de mil formas diferentes o mesmo fato na expectativa vã de passar, pela soma das incompletudes de cada texto, a totalidade daquele momento já perdido no tempo. É um labirinto, como se vê, uma armadilha onde podemos nos enredar em uma idéia fixa a aí passarmos a eternidade tentando explicá-la.
Ainda assim, mesmo alertados contra a futilidade do ato da escrita, nos deparamos vez ou outra com um sentimento novo, algo que julgamos nunca ter sentido, uma excitação ou serenidade fora de lugar que parece dar-nos sentido novo às coisas e precisamos registrar. É preciso nomear o desconhecido, o nunca antes sentido, e não se faz boa ciência sem, antes de tudo, uma descrição do objeto de estudo.
Aí é que a porca começa a torcer lentamente seu rabo, pois que para isso é preciso recriar para o leitor todo o contexto, cenário, personagens, ímpetos e emoções que levaram de forma derradeira àquele sentimento novo. Mas isso só se faz se o relato for fiel ao ocorrido, o qual, no entanto, é, na maioria das vezes, do desejo do autor ocultar dos leitores, seja por temor a um marido enciumado ou em nome de uma antiga amizade.
Cai-se assim na pocilga dos cenários fictícios, nomes fictícios, tudo fictício para que o sentimento ou ação autênticos possam ser refabricados para o leitor sem que o mesmo esteja munido de todas as peças que permitam decriptografar aquilo que realmente está por trás do texto.
Imaginem, por exemplo, a situação de ter os testículos acidentalmente esmagados em meio um flagrante de adultério, causando o alívio de com isso conseguir se safar e sair vivo, embora eunuco e com muita dor. Como chamar tal sentimento? Como descrever tal cena? Não ouso sequer mencionar esta história...

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