quarta-feira, 18 de maio de 2011

Febre de Outono

Meu avô sempre dizia que o outono era a melhor estação do ano, tinha os dias mais bonitos, o céu limpo, uma brisa fresca. Ainda que eu desconfie de um certo viés na análise dele porque ele havia nascido no outono, e disso se orgulhava, devo admitir que são, de fatos, dias agradáveis. Já estamos chegando na metade do ano e mal sentimos o tempo passar.
O problema do outono, para mim, é o início das gripes e crises de todos os tipos. Outro dia deu-me uma febre de quase quarenta graus e dor estomacal e dormi por dezoito horas, exausto. Acordei melhor, apenas fraco por ficar um dia inteiro sem comer. Sei que eu devia dormir mais, me alimentar melhor, almoçar todos os dias e todas essas coisas, mas parece que o descuido nos hábitos me leva a ser presa fácil das viroses de outono.
Tive o mais estranho dos sonhos nesse sono de 18 horas, como se tivesse tido o mesmo sonho o tempo inteiro, ao invés de uma cadeia de sonhos como normalmente temos. Eu sonhava que meu corpo era uma espécie de concha dura, fragmentada em algumas centenas de pedaços, que precisavam ser colados e montados como um grande quebra cabeça tridimensional. Fosse talvez o delírio da febre ou o exagero de analgésicos, mas podia mesmo sentir as mãos que deslizavam sobre mim encaixando de volta em meu corpo as partes removidas, acompanhadas por sussurros femininos que perguntavam e trocavam entre si as peças para encaixe.
Estivéssemos em outra época ou lugar e eu diria serem súcubus ou as setenta virgens prometidas. Acordei várias vezes sem ar, ofegando, sufocado por um grande peso invisível. Senti que montavam meu baço, meus rins, meu fígado e tudo mais. Credito o sonho ao clima espectral que o outono sempre traz, esses fins de tarde em que as sombras se alongam como mantos à beira do abismo.
Para mim o outono estará sempre ligado ao conto do Ray Bradbury, Cheiro de Outono, que sempre sinto que preciso reler nesses meses do ano. Talvez o conto explique o sonho. Talvez o sonho explique o conto. Ou talvez o delírio febril explique tudo.
Olhando os jornais sinto que não sou eu, mas o mundo que está em febre. Depois de tanta expectativa pela captura e julgamento do Bin Laden, veio o fiasco do século, uma operação desastrada que culminou em uma mera execução com ocultação de cadáver, dentro de um saco com pedras lançado ao mar, no melhor estilo da máfia. O sumiço do corpo é inexplicável, dá a crer que ele esteja vivo em alguma prisão militar. Coisas de outono, certamente.

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