quinta-feira, 21 de julho de 2011

A fada da família

É engraçado como os acontecimentos da primeira infância se embaralham e ficam confusos. Lembro como se fosse hoje, eu tinha cinco anos, e despertei com o barulho na sala, um barulho alto, de algo caindo. Olhei lá de cima e vi o vestido rosa da minha mãe, que ela há tempos não usava, enormes asas de fada, muita maquiagem e purpurina naquela figura esguia que fugia furtivamente tentando não ser detectada.
Cresci por um bom tempo com aquela ilusão infantil, efeito misturado da embriaguez do sono com a fantasia infantil, que me levou por muito tempo a acreditar em fadas, jurando mesmo na escola que eu havia visto uma e me metendo em boas brigas por causa disso.
Nem ao menos as meninas, com toda aquela loucura de fadinhas cor-de-rosa e pôneis voadores acreditavam em mim e, como toda fé, quanto mais irracional e improvável a coisa se tornava, mais eu me aferroava a ela como uma crença indispensável, como verdade oculta, revelação.
Foi aí que eu comecei a pré-adolescência, quando se perde os medos da infância, deixando também as crenças e fantasias para trás, até a compreensão completa de que a fé é o veneno da razão.
Calhou de num dia desses eu estar sozinho com minha mãe numa daquelas festas de família que acabam cedo demais. Começamos uma conversa animada e, enfim, me abri com ela, confessando: sabe, por sua culpa, acreditei por muitos anos em fadas. Como assim?, ela perguntou.
Lembra aquela noite, nas férias de julho quando eu tinha cinco anos? Pois bem, uma noite eu acordei com o barulho e vi o que você estava fazendo de noite, reconheci aquele seu velho vestido rosa comprido que você raramente usava e vi quando você se esgueirava para fora de casa, toda vestida de fada, cheia de maquiagem e perfumes. O que foi afinal aquilo? Para onde você ia?
Minha mãe olhou para mim inicialmente com uma expressão de dúvida que logo acendeu uma faísca de compreensão e transmudou toda a face em terror e tristeza, fazendo-a esconder o rosto envergonhada.
Eu jamais esperaria tal reação dela, pois não achava que havia algo demais na história. Mas logo ela recobrou o fôlego e em desespero me fez repetir de novo o que vira, cinco ou seis vezes, em todos os detalhes. Por fim, ela disse: naquelas férias, meu filho, eu viajei, estava cuidando de sua avó doente, era seu pai que estava com vocês, agora entendo porque aquele vestido alargou e não me servia mais. Papai é uma fada?, perguntei, confuso, ao que ela respondeu apenas com um resmungo de irritação.

Um comentário: