quinta-feira, 17 de março de 2011

E matas o gato, o rato e o homem


Ilustração por Adorno


Confesso, para meu próprio assombro, certo prazer de andar em cemitérios. Os mortos, na verdade, são bem melhores companhia que os vivos, mais silenciosos, na maioria das vezes. Mas meu assombro vem do fato de que acho condenável essa coisa toda de cemitérios: a carne ali embaixo da terra apodrecendo e poluindo rios, mangues e leitos de água. Tanto do ponto de vista sanitário quanto econômico, a coisa é uma loucura, mais sentido faz a incineração, que também permite os rituais fúnebres e tudo mais que a família do morto queira.
Mas acho que meu gosto por cemitérios vem de três fontes: os locais são geralmente limpos, silenciosos e vazios, um bom local para ler, ainda por cima com enfeites florais; a idéia de que pessoas comuns podem também ter seu monumento público, como as estátuas que tem pela cidade, e ter um epitáfio sobre si enfeitando aquele monumento pelo tempo que a família se dispuser a pagar e, por fim, meu gosto pelos velhos e antiquados filmes de terror.
Quando eu digo velhos, quero dizer os velhos mesmo, preto e branco, de preferência, com ponto extra se tiver sido produzido pela antiga Hammer. É claro que não há muita diferença com os filmes de hoje, ainda se trata de vampiros, lobisomens e bláblábla, exceto que naquela época vilão e mocinho se confrontavam para ganhar a atenção da mocinha e hoje as mulheres aprenderam a quebrar o pau ao invés de ficar gritando, e é a mocinha que enfrenta o vilão em disputa da atenção do mocinho.
Abomino os velórios. Acho que nossos velórios deveriam ser como os irlandeses, um grupo de bêbados amigos do finado enchendo a cara de cerveja a noite inteira e cantando músicas de bebum. Se eu fosse ter um velório assim, não escolheria para ele uma trilha sonora, mas sim uma trilha visual, um grande telão passando filmes direto para as pessoas terem algo para fazer enquanto comem e bebem ao invés de ficarem chorando em cima de mim.
Começaria, é claro, com o Sétimo Selo, clássico de Bergman, que sempre me interessou por causa da derrota proposital para a morte. Em seguida, meia-noite, tacaria a Noite dos mortos-vivos, o original de Romero, com aquele início perfeito dos irmãos no cemitério sendo atacados por zumbis. Então, no meio da madrugada, Nosferatu, de Murnau, só pra não perder a piada de amarrarem meu corpo numa roldana e o erguerem no meio do filme, no mesmo momento que o vampiro se ergue do caixão. Encerraria a madrugada com a Vida de Brian, só pela música final.

2 comentários:

  1. Caso a cremação ou outra forma mais rápida e definitiva de se livrar dos corpos vc instituída poderia ser adotado, como forma de reparar o dano científico as gerações futuras, o enterro de uns poucos escolhidos, representativos de uma época e estilo de vida, em uma cópia da sua casa ou réplica da mesma. Isso serviria para os arqueólogos e paleoantropólogos do futuro terem algo para achar. Seria uma "capsula do tempo" mortuária e poderia incluir informação extra (sobre a comunidade, cultura, tecnologia, localização geográfica, informações demográficas etc) gravadas em vários tipos de media, desde barro até algum tipo de meio digital realmente resistente, lacrado em um container adequado. Assim os pesquisadores do futuro não se ressentiriam muito de não deixarmos cadáveres para eles estudar. :)

    Hehehe!! Muito bom o texto.


    Abraços,

    Véras

    ResponderExcluir
  2. grato pelos cumprimento, hehehe.
    Pena que, por causa do espaço, não deu tempo de incluir no final que eu balançaria meu pé enquanto tocasse bright side of life :)

    ResponderExcluir