quinta-feira, 30 de junho de 2011

Julgamento

Passei a semana inteira tenso, nervoso. Por um azar do destino eu fora arrolado como testemunha num julgamento e aquele papel me incomodava mais do que eu haveria de supor.
Na noite da véspera foi quando a coisa começou a piorar. Tremedeira, suores, insônia, aquelas dores e barulhos abdominais a que logo seguiram uma corrida ao banheiro. Depois outra, mais outra, a madrugada inteira me esvaindo em diarréia. O que havia comigo? Era como se eu fosse o réu, não a testemunha. Amanheci pálido e evitei comer qualquer coisa para estar de estômago vazio quando o juiz me chamasse.
Entrei na sala escura do tribunal. Um dia chuvoso e triste de inverno e eu tentava pensar em algum jazz de Miles Davis para me acalmar. Meu estômago agora furava e revirava como se eu houvesse engolido um ouriço vivo que tentava a todo custo sair. Talvez outro bicho. Maldita marmota marretando.
O juiz me chamou para falar e eu sabia que não iria resistir à pressão. O réu era um banqueiro que andara aplicando golpes na praça e eu sabia que as chances de ele ser punido eram realmente mínimas.
Sentei-me olhando para o chão e tentando disfarçar o colapso que se avizinhava. Senti aquele movimento nas tripas descendo, descendo, descendo, abrindo passagem de forma imperativa. Eu torcia para que fosse ar, para que eu não me sujasse todo ali, em pleno tribunal.
Segurei o máximo que pude, com todas minhas forças, suando, quase chorando baixinho, enquanto o cretino do advogado do réu não parava de falar, talvez percebendo minha situação e me manipulando, prolongando tudo aquilo para me desestabilizar. Era um crápula experiente, perito em destruir testemunhas.
Senti que não conseguia mais segurar e fui deixando escapar aquela bola de gás tóxico lentamente, para evitar qualquer barulho que me denunciasse, como eu aprendera em muitos anos na infância de ônibus matinal lotado para escola.
A venenosa bola de metano e aromas pútridos instalou-se então no ambiente, imediatamente sufocando e tomando conta de todos que ali estavam. Todos disfarçavam as caretas de horror e pânico que súbito os tomava e, embora eu tivesse sucedido no silêncio, era óbvio para todos ali que vento mortal partira de mim.
O juiz, num laivo de ironia, disse que algo não cheirava bem naquele caso. Explodi em raiva, e disse que podre mesmo era justiça brasileira que soltava rico e prendia pobre. Levantei e parti dali, surpreso por ninguém me obrigar a voltar.

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