quinta-feira, 26 de maio de 2011

Ferida podre

Eu não sei ao certo quando foi que aprendemos a odiar. Começamos cedo, é certo. Provavelmente algum professor que nos deu nota ruim e marcou pro resto da vida aquela impressão odiosa da escola, do estudo. Pois se uma coisa podemos dizer sobre os catarinenses, é que um estado que paga o segundo pior salário do país aos professores, entra na justiça pra evitar reajuste e, ainda por cima, bônus, é o estado campeão de agressão física a professores em sala de aula, só pode ser entendido na sua relação com o ensino como uma relação de ódio.
Eu não sei quando aprendemos a odiar. Talvez na ditadura, nos tempos cinzentos onde as nuvens da tortura e da delação pairavam em cada canto? Onde foi que erramos? Foram tantas vezes que não sei mais numerar.
Santa Catarina tem um histórico de ódio acumulado aos professores, entra governo e sai governo e a situação só se complicou cada vez mais, o que dá a impressão de que a destruição do ensino público conta com a simpatia do povo, que continua votando nos mesmos escroques de sempre, agora na versão 2.0, nova geração.
Não se trata somente de achatamento salarial. Neste mês correu o país um vídeo que deixou as pessoas indignadas, onde uma professora do nordeste reclamava do salário de 900 reais do seu estado. Indignação nacional justificada, mas para nossa surpresa, nosso estado é ainda pior, paga a infâmia de 600 pila de piso para o professor, e só não paga menos porque logo estaria pagando menos que o salário mínimo. Mas a coisa é muito pior que salário de professores, pois desde que o governo extinguiu a escolha de diretores de escola, o cargo se tornou verdadeiro cabide de emprego de aliados políticos.
Eu estive na barriga da fera, vi as entranhas podres do monstro que se tornou a educação no estado. Em época de campanha era impossível achar alguém trabalhando, pois a diretoria da área, a maioria mulheres de deputados do governo, estavam nas suas cidades em campanha. Só uma diretora empregava os dois filhos e a namorada de um deles que passavam o dia inteiro no bate-papo do computador e ainda tinham o desplante de dizer que não precisavam trabalhar porque tinham costas-quentes. Essas são as pessoas que drenam o dinheiro da educação enquanto professores adoecem e morrem em sala de aula. Essa é a relação do nosso estado com a educação.
Santa Catarina é um estado doente, é uma pessoa cava buracos na cabeça direto ao cérebro, removendo partes essenciais, estrangulando as artérias que oxigenam o pensamento.Somos o ódio ao saber.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Apocalipse Zumbi - O CDC está preparado, mas vc está?

Um website ligado ao CDC (o Centers for Disease Control and Prevention) postou uma interessante matéria alerta sobre emergências e como agir nelas, tendo o apocalipse zumbi como base e elemento motivador.

O texto foi originalmente publicado no blog do CDC Public Health Matters em 16 de maio deste ano, por Ali S. Khan. "Social Media: Preparedness 101: Zombie Apocalypse" faz um pequeno resumo sobre as origens do mito zumbi e suas diversas personificações no cinema, principalmente, as que estamos mais acostumados em que uma infecção misteriosa transmitida por mordidas e contato com fluidos corporais dissemina-se pela terra gerando uma multidão de morto-vivos sedentos de cérebros, sangue e tripas humanas.

A matéria chamou tanta atenção que o site veio abaixo. Não sei quanto a vcs, mas eu vou estocar água, comida, lanternas, pilhas, ataduras, remédios e outros utensílios de sobrevivência. Vou mapear saídas da cidade e postos de apoio, como hospitais, quartéis da polícia e do exército e me preparar para os malditos mortos-vivos. Só preciso agora de uma calibre 12, um bom porrete e um grupo de sobreviventes para me ajudar.

A iniciativa é muito interessante. Um pouco de humor e cultura pop é sempre bem vinda, especialmente se é para dar uma aliviada em assuntos sérios, como é a temporada de furacões por lá e a constante ameaça de epidemias ou mesmo pandemias globais que está sempre pairando pelo ar. Só espero que isso não sirva pra alimentar as maluquices dos que acreditam que o dia do juízo final será neste dia 21 de maio e que para os que não forem arrebatados, sobrará apenas o apocalipse zumbi.

Promessa não cumprida

É uma grande farsa essa coisa de escrever, uma tramóia de assassinato, como nos contos de Poe. Não basta cometer o crime perfeito, é preciso expor a olhos vistos a carta roubada, bater nas paredes até o gato miar ou até que as batidas do coração o enlouqueçam de vez. Poe foi o grande mestre, entendeu todas as sutilezas da arte, por isso mesmo até hoje incompreendido por seus compatriotas.
É quase impossível uma história original se pensarmos nos milhares de anos de narrativa que temos acumulados, embora, ainda assim, muitos não pensem duas vezes antes de reescrever uma coisa banal como um fim de tarde ou um lenço caído, porque a experiência, essa sedutora, é sempre única, é sempre algo pessoal e intransferível daquele que narra, e ele pode passar o resto da vida narrando de mil formas diferentes o mesmo fato na expectativa vã de passar, pela soma das incompletudes de cada texto, a totalidade daquele momento já perdido no tempo. É um labirinto, como se vê, uma armadilha onde podemos nos enredar em uma idéia fixa a aí passarmos a eternidade tentando explicá-la.
Ainda assim, mesmo alertados contra a futilidade do ato da escrita, nos deparamos vez ou outra com um sentimento novo, algo que julgamos nunca ter sentido, uma excitação ou serenidade fora de lugar que parece dar-nos sentido novo às coisas e precisamos registrar. É preciso nomear o desconhecido, o nunca antes sentido, e não se faz boa ciência sem, antes de tudo, uma descrição do objeto de estudo.
Aí é que a porca começa a torcer lentamente seu rabo, pois que para isso é preciso recriar para o leitor todo o contexto, cenário, personagens, ímpetos e emoções que levaram de forma derradeira àquele sentimento novo. Mas isso só se faz se o relato for fiel ao ocorrido, o qual, no entanto, é, na maioria das vezes, do desejo do autor ocultar dos leitores, seja por temor a um marido enciumado ou em nome de uma antiga amizade.
Cai-se assim na pocilga dos cenários fictícios, nomes fictícios, tudo fictício para que o sentimento ou ação autênticos possam ser refabricados para o leitor sem que o mesmo esteja munido de todas as peças que permitam decriptografar aquilo que realmente está por trás do texto.
Imaginem, por exemplo, a situação de ter os testículos acidentalmente esmagados em meio um flagrante de adultério, causando o alívio de com isso conseguir se safar e sair vivo, embora eunuco e com muita dor. Como chamar tal sentimento? Como descrever tal cena? Não ouso sequer mencionar esta história...

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Febre de Outono

Meu avô sempre dizia que o outono era a melhor estação do ano, tinha os dias mais bonitos, o céu limpo, uma brisa fresca. Ainda que eu desconfie de um certo viés na análise dele porque ele havia nascido no outono, e disso se orgulhava, devo admitir que são, de fatos, dias agradáveis. Já estamos chegando na metade do ano e mal sentimos o tempo passar.
O problema do outono, para mim, é o início das gripes e crises de todos os tipos. Outro dia deu-me uma febre de quase quarenta graus e dor estomacal e dormi por dezoito horas, exausto. Acordei melhor, apenas fraco por ficar um dia inteiro sem comer. Sei que eu devia dormir mais, me alimentar melhor, almoçar todos os dias e todas essas coisas, mas parece que o descuido nos hábitos me leva a ser presa fácil das viroses de outono.
Tive o mais estranho dos sonhos nesse sono de 18 horas, como se tivesse tido o mesmo sonho o tempo inteiro, ao invés de uma cadeia de sonhos como normalmente temos. Eu sonhava que meu corpo era uma espécie de concha dura, fragmentada em algumas centenas de pedaços, que precisavam ser colados e montados como um grande quebra cabeça tridimensional. Fosse talvez o delírio da febre ou o exagero de analgésicos, mas podia mesmo sentir as mãos que deslizavam sobre mim encaixando de volta em meu corpo as partes removidas, acompanhadas por sussurros femininos que perguntavam e trocavam entre si as peças para encaixe.
Estivéssemos em outra época ou lugar e eu diria serem súcubus ou as setenta virgens prometidas. Acordei várias vezes sem ar, ofegando, sufocado por um grande peso invisível. Senti que montavam meu baço, meus rins, meu fígado e tudo mais. Credito o sonho ao clima espectral que o outono sempre traz, esses fins de tarde em que as sombras se alongam como mantos à beira do abismo.
Para mim o outono estará sempre ligado ao conto do Ray Bradbury, Cheiro de Outono, que sempre sinto que preciso reler nesses meses do ano. Talvez o conto explique o sonho. Talvez o sonho explique o conto. Ou talvez o delírio febril explique tudo.
Olhando os jornais sinto que não sou eu, mas o mundo que está em febre. Depois de tanta expectativa pela captura e julgamento do Bin Laden, veio o fiasco do século, uma operação desastrada que culminou em uma mera execução com ocultação de cadáver, dentro de um saco com pedras lançado ao mar, no melhor estilo da máfia. O sumiço do corpo é inexplicável, dá a crer que ele esteja vivo em alguma prisão militar. Coisas de outono, certamente.

sábado, 14 de maio de 2011

Conversas com a história: Lewontin

O grande Richard Lewontin em entrevista com Harry Kreisler para a série de entrevistas "Conversations with History" da University of California TV:




A transcrição da entrevista pode ser encontrada aqui.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Isso sim é que era série.

Spectreman é uma das minhas séries favoritas e até hoje me faz ter vontade de visitar Tóquio só pra ver os monstros criados a partir da poluição. Hehehe!



O mais triste é que fui descobrir hoje que Tetsuo Narikawa, o Kenji na versão Brasileira, havia falecido em 2010. Que coisa mais triste. E olha que via a série já nos anos 80 quando o SBT a transmitia às tardes. Odiava quando perdia um episódio ou quando a programação era alterada.

Mas a vida é assim. Nós vamos envelhecendo e nossos ídolos vão morrendo.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Uma saga celulada

Depois de muita resistência resolvi, enfim, ponderar a possibilidade de usar uma dessas máquinas de grudar na cabeça e ficar falando sozinho na rua que chamam de celular. Não que eu esteja mudando, o aparelho é que foi incorporando outros utensílios: agenda, email, despertador, jogos, uai-fai, gps, massagem íntima e guia espiritual.
Mas sou um sujeito chato na hora de comprar algo, indeciso, preciso saber de todas as informações sobre todas as opções até começar a triar e descartar um por um e chegar na decisão final. Comprar meias, por exemplo, é um longo exercício de leitura de etiquetas, pois não compro meias com menos de 80% algodão, o que infelizmente são a maioria no mercado. É indizível a comparação de uma meia com alto teor de algodão com essas porcarias semi-sintéticas que nos empurram em lojas e supermercados e shopping centers, é como comparar um vinho chileno a essas groselhas com cachaça que nos servem nos restaurantes sob a alcunha de vinho da casa.
Então, felizmente para os vendedores, eu já dou uma boa pesquisada nas lojas online e saio de casa com uma idéia mais ou menos sedimentada do que eu quero, de modo que não preciso ver tudo. Um amigo sugeriu que eu fosse num centro de compras onde havia loja de todas as operadoras e, assim, eu poderia sair de lá já com o aparelho e o plano.
Consegui passar incólume pela maioria das lojas, constatando para minha decepção que a maioria dos aparelhos nesse tipo de loja é bem inferior ao que se acha em lojas na internet: são tecnologicamente atrasados por um preço 50% maior. Mas pior ainda do que isso é que os vendedores são, na verdade, vendedores dos pacotes das operadoras, que sabem responder o número de torpedos ou segundos de cabeça pra baixo que você pode falar no aparelho, mas não tem a mínima noção da velocidade de processamento, capacidade de memória, versão do sistema operacional, e outros pormenores não muito técnicos que até mesmo um leigo como eu é capaz de saber.
Tudo que eu queria era ler silenciosamente as especificações de cada aparelho, mas a pobre vendedora insistia em me trazer e montar diferentes modelos, que por algum motivo, decerto minha cara de falido, eram os mais vagabundos. Ela justificava a escolha dizendo que eram os mais vendidos, o que para muitos pode ser sinônimo de qualidade mas, para mim, uma certeza de ser porcaria. Posso não conhecer celulares, mas conheço suficientemente a humanidade para saber que os mais vendidos são sempre o pior negócio possível.