O neurocientista britânico Jason Braithwaite é um dos pesquisadores envolvidos com o estudo de experiências subjetivas comumente associadas a fenômenos paranormais – ou mesmo tidas como sobrenaturais. A diferença é que ele – junto com vários outros neurocientistas e cientistas cognitivos (como Chris French, Richard Wiseman, Olaf Blanke etc) – procura compreender tais experiências dentro de uma perspectiva científica convencional e filosoficamente naturalista.
Em 2008 ele havia escrito um ótimo artigo (‘Towards a Cognitive Neuroscience of the Dying Brain‘) sobre as ‘experiências-de-quase-morte’ (cuja sigla em inglês é NDE) e as ‘experiências-fora-do-corpo’ (OBE) que são, algumas vezes, relatadas por pessoas que sofreram paradas cardíacas e estiveram perto de morrer, mas não só. Nesse artigo, Braithwaite explica o que sabemos sobre o assunto e explicita as limitações da perspectiva não-naturalista, algumas vezes, chamadas de ‘sobrevivencialista’.
As pessoas que advogam a hipótese sobrevivencialista –
e que, portanto, adotam uma perspectiva sobrenaturalista para a
consciência – defendem que tais fenômenos mostrariam que a consciência
pode subsistir quando o cérebro não está ativo e, portanto, segundo
eles, provariam a existência de algo como a alma, ou seja, eles propõem
que tais experiências seriam evidências que a consciência/mente não é um
entidade ou propriedade cujas causas são físicas. Essa visão vai contra
a perspectiva científica moderna, ou seja, a de que a consciência e
tudo que associamos a ela (nosso senso de identidade pessoal e corporal,
nossas memórias, emoções, personalidade etc) é uma propriedade
emergente de atividade dinâmica integrada de redes de neurônios ativos
em nossos cérebros e que sem isso ela não pode existir.
Agora, em um novo artigo também publicado na revista The Skeptic, Braithwaite e Hayley Dewe
(aluna de doutorado de Braithwaite, que investiga os correlatos
neurocognitivos de experiências alucinatórias envolvendo o corpo, como
as OBEs) continuam a pontuar os problemas
com a interpretação das evidencias clínicas e instrumentais,
frequentemente, empregadas pelos sobrevivencialistas para endossar sua
posição.
A ideia geral apresentada por Dewe e Braithwaite é
que, além de anedotas eventuais, não existem boas evidencias que
qualquer NDEs e OBEs se deem exatamente quando o cérebro não estaria
funcionando. Como os relatos são
feitos depois que os pacientes já se
recuperaram e podem falar, não há como estabelecer que tais experiências
se deram durante a parada cardiorrespiratória e nem quando o EEG estava
isoelétrico. Pior do que isso. Mesmo os EEGs isoelétricos – as famosas
‘flat lines’ – não mostram que o cérebro está completamente sem
atividade elétrica. Os registros isoelétricos mostram apenas que o
cérebro encontra-se sem atividade coerente nas regiões mais externas do
córtex. Então, embora um EEG isoelétrico persistente e que não se altera
com estimulação dolorosa em indivíduos que não respiram sozinhos possa
indicar a morte cerebral, um registro isoelétrico temporário não é prova
de um cérebro morto.
De fato, existem algumas evidencias que atividade
elétrica cortical coerente mais profunda e mesmo não-cortical aconteça
quando EEGs isoelétricos são registrados. Na realidade, temos alguns
indícios que alguns desses tipos de atividade podem estar relacionadas
com experiência consciente anômala e até formação de memória. Porém,
mesmo que esse não seja o caso, boa parte das evidencias nos levam a
crer que as experiências subjetivas acontecem e portanto as memórias
destes eventos são formadas ou logo antes ou logo depois do período de
EEG isoelétrico, como os estudos com o modelo de síncope deixam claro,
uma vez que são nesses períodos que as
experiências alucinatórias tendem
a ocorrer; a despeito das tentativas dos sobrevivencialistas de
desqualificarem tal modelo comparativo, deixando de lado as várias
similaridades com as NDEs.
Evidências recentes obtidas a partir de estudos em
roedores e com pacientes em UTIs também sustentam que, logo após a
parada cardíaca, existe um surto de atividade elétrica cerebral coerente
que é muito parecida a normalmente atribuída a consciência visual em
indivíduos acordados. Então, embora ainda restem muitas questões em
aberto e não estejamos perto de uma explicação realmente robusta de como
o cérebro ativo produz nossas experiências subjetivas conscientes
normais ou anômalas, as evidencias não sustentam a visão
sobrevivencialista/sobrenaturalista. Para saber mais sobre o assunto
veja as postagens: ‘Ateísmo, Naturalismo e Sobrenaturalismo, ‘Não adianta espernear, não existe uma neurociência não-materialista.‘, ‘Religião, espiritualismo e ciência: Uma relação complicada‘, ‘A Neurologia das Experiências de Quase Morte‘,’ Os últimos suspiros elétricos de um cérebro moribundo.‘, ‘Alucinações vestíbulo-motoras e experiência-fora-do-corpo‘, ‘Paralisia do sono: Uma perspectiva neurocientífica‘).
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Referências:
- Braithwaite, JJ (2008) Towards a cognitive neuroscience of the dying brain The [UK] Skeptic magazine (21), pp8-16.
- Braithwaite, J.J., & Dewe, H (2014). Occam’s chainsaw: Neuroscientific nails in the coffin of dualist notions of the near-death Experience (NDE). The [UK] Skeptic magazine, (25) 2, pp24-31.